Melhores práticas para produção de cerveja sem álcool

Já se aventurou a fazer uma cerveja sem álcool ou com baixo teor alcoólico? O mercado cervejeiro de cervejas sem álcool vem crescendo continuamente nos países consumidores de cerveja e no Brasil não poderia ser diferente. Atualmente encontramos diversas opções no mercado sendo produzido por grandes cervejarias e por cervejarias artesanais.

Mss e você já tentou fazer em casa? Em 2021 trouxemos algumas dicas de como fazer cerveja sem álcool em casa e agora vamos falar sobre as melhores práticas para se obter um produto de qualidade.

Melhores práticas para produção de cerveja sem álcool e baixo teor alcoólico

As cervejas não alcoólicas e de baixo teor alcoólico (termo conhecido como NABLAB em inglês ) têm sido produzidas ao longo da história por uma variedade de motivos, incluindo a escassez de matérias-primas, abstinência moral ou religiosa, conformidade com leis locais e saúde pessoal e bem-estar. Os cervejeiros artesanais historicamente focaram em estilos de cerveja mais fortes, com teor alcoólico mais elevado, enquanto os estilos de baixo teor alcoólico foram amplamente ignorados. Como resultado, as cervejas não alcoólicas e de baixo teor alcoólico comerciais muitas vezes eram sem graça e com falta de sabor, ou apresentavam sabores específicos que tornavam difícil combinar o perfil sensorial dos estilos tradicionais de cerveja. Com a crescente demanda por esse tipo de produto, os cervejeiros artesanais estão agora produzindo uma variedade maior de estilos de cerveja com um sabor excelente como nunca antes. Existem abordagens diferentes para a produção de cervejas não alcoólicas e de baixo teor alcoólico, cada uma das quais requer otimização substancial do processo e da receita. Neste post, fornecemos uma visão geral das melhores práticas atuais para a produção de alta qualidade usando uma abordagem de fermentação limitada.

Existem algumas formas de fazer uma cerveja sem álcool, a primeira é cara e inviável para cervejeiros caseiros que é a remoção total de álcool de uma cerveja produzida de forma tradicional. Este processo pode ser feito através de aquecimento da cerveja pronta para que o álcool evapore ou através de destilação ou ainda pelo processo de osmose reversa.

Os pros desses métodos são:

  • Escalável para grandes volumes de produção;
  • Capaz de alcançar 0,0% de teor alcoólico  através de destilação;
  • Ideal para grandes cervejarias.

Os contras são:

  • Alto custo dos equipamentos;
  • Grande uso de energia;
  • Necessário otimização significativa do processo;
  • Sabores e aromas desejavéis são removidos juntamente com o álcool;
  • Permissões necessárias para destilação;
  • Maior risco de oxidação;
  • Difícil correspondência de sabores devido às perdas de sabor.

A outra forma forma de produção cerveja sem álcool e com baixo teor alcoólico é através de manipulação da fermentação. Esse método é mais simples e muito mais barato e é possível de reproduzir em casa.

Baixos teores alcoólicos podem ser atincgidos através da redução da quantidade de açúcar fermentado durante o processo de fabricação de cerveja. Há duas formas principais de fazer isso:

  1. Fermentação arrastada: a ação das leveduras é interrompida após uma pequena quantidade de mosto fermentado, deixando açúcares fermentescíveis na cerveja. Isso é atingido colocando o fermento no mosto frio ou esfriando rapidamente o fermentador ou através de pasteurização. Estes métodos requerem controle rígido de processos e muitas vezes podem resultar em sabores e aromas indesejados.
  2. Mosto com fermentabilidade limitada: a quantidade de açúcares fermentescíveis no no mosto é reduzido através de modificações no grist de maltes/grãos, diminuindo o tempo de mostura, fazendo a mostura em altas temperaturas paa diminuir a quantidade de glicose e maltose e aumentado os açúcares de cadeia longa (mais dificeis da levedura fermentar). Selecionar uma cepa de levedura qie possui baixa capacidade de fermentar maltotriose e maltose permitirá baixa atenuação do mosto. A combinação de alguns ou todos esses métodos pode garantir um mosto com baixa fermentabilidade, resultando uma cerveja com baixo teor alcoólico. E desde que açúcares simples sobram na cerveja sem fermentar, a pasteurização é fundamental para garantir a estabilização do produto e prevenir que ocorra refermentação após o envase e contaminação.
Fermentação arrastada Fermentabilidade limitada
Pros Contras Pros Contras
Possível com equipamentos tradicionais de fabricação de cerveja Sabores de mosto, diacetil, H2S são comuns Possível com equipamentos tradicionais de fabricação de cerveja Receita precisa ser modificada para alcançar os sabores desejáveis
Controle rígido para atingir resultado esperado A fermentação prossegue até a atenuação total. Temperaturas de mostura muito altas são necessárias para atingir menos 0,5% ABV usando cepas negativas para maltotriose
Altos riscos de ter muita atenuação Baixo risco de ter muita atenuação Leveduras selvagens que não fermentam maltotriose não possuem padrão típico de fermentação e sabores
Falta de consistência nos resultados Reprodutibilidade alta

Como conseguir baixo teor alcoólico através de mostos com baixa fermentabilidade

Seleção de Fermento.

A fermentabilidade do mosto é determinada pelo perfil de açúcar do mosto e pela capacidade da cepa de levedura de fermentar açúcares específicos do mosto. A escolha da cepa de levedura tem o efeito mais poderoso na fermentabilidade do mosto. Diferentes cepas de levedura variam em sua capacidade de fermentar açúcares específicos do mosto. A cepa de levedura escolhida determinará a atenuação alcançada em um específico mosto. A maioria das cepas de levedura de brassagem pode metabolizar glicose, maltose e maltotriose para alcançar atenuação na faixa de 75-84%. Para estilos com baixo teor alcoólico ou sem álcool, é importante escolher uma cepa de levedura que seja incapaz de fermentar maltose ou maltotriose para obter uma atenuação menor e níveis mais baixos de ABV.

Hoje temos disponíveis na Lamas Brew Shop as seguintes cepas que são incapazes de fermentar Maltotriose e Dextrinas – Lallemand Windsor e Lallemand CBC-1.

Mostura em Altas Temperaturas

Os cervejeiros estão bem familiarizados com a faixa típica de temperatura de mosturação entre 62 – 70°C. Temperaturas de mosturação típicas em torno de 62 – 64°C favorecem a atividade da betaa-amilase e a formação de maiores quantidades de maltose. À medida que a temperatura de mosturação aumenta, a atividade da beta-amilase diminui e a atividade da alfa-amilase aumenta , o que promove a formação de açúcares maiores e dextrinas, reduzindo a fermentabilidade do mosto (Figuras 3 e 4).

O método de mosturação em alta temperatura é uma modificação do método de mosturação de infusão única padrão. Os maltes são cozidos em uma proporção baixa de líquido para grãos e em temperaturas elevadas entre 70 – 82°C. A produção de maltose é reduzida, uma vez que a enzima beta-amilase é rapidamente desativada acima de 65°C. A quebra do amido ainda ocorrerá devido à atividade da alfa-amilase, que é estável por períodos mais longos em temperaturas mais altas. O mosto resultante é rico em dextrinas não fermentáveis e açúcares de alto peso molecular com quantidades menores de glicose e maltose fermentáveis em comparação com uma mosturação padrão.

A mosturação em alta temperatura pode ser combinada com a fermentação com leveduras negativas para maltose ou maltotriose para reduzir a fermentabilidade ao mínimo.

Grist de Grãos e Maltes

Mosto com baixa densidade inicial (5 a 8°P/1.019 a 1.031) é o desejado para conseguir cervejas de baixo teor alcoólico ou sem álcool, o que reduz a quantidade de açúcares fermentáveis. Um mosto com densidade maior pode ser utilizado se a cerveja for misturada com outra para atingir o teor alcoólico desejado após a fermentação. Além disso, altas proporções de maltes especiais podem ser usados, não apenas para garantir um mosto com baixa quantidade de açúcares fermentáveis, mas também para aumentar corpo e  sensação na boca em mostos de baixa densidade.

Como controlar os sabores e off-flavors em produção de cerveja sem álcool e de baixo teor alcoólico

O curto tempo de fermentaçãp associado com a fermentação limitadas de cervejas não alcoólicas implica em alggumas consequências na produção de aromas e sabores na cerveja. A fermentação curta resulta em menor metabolismo da levedura durante a fermentação o que resulta em:

  • Baixa redução dos aldeídos do mosto;
  • Baixa reabsorção de diacetil (no caso de fermentações arrastadas);
  • Diminuição da reabsorçãod e off-flavors pela levedura;
  • Menor quantidade de CO2 carregando compostos voláteis fora do mosto durante a fermentação;
  • Baica formação de ésteres.

Aldeídos: é notável que as cervejas com baixo teor alcoólico frequentemente sofrem de defeitos de sabor descritos como adocicados ou de mosto. Esses sabores são originados de aldeídos formados durante a mosturação e fervura. Os mais abundantes são o 3-metil butanal, 2-metilbutanal e metional. Em cervejas convencionais, esses aldeídos são reduzidos a seus álcoois primários por meio da atividade da levedura durante a fermentação. Em fermentações limitadas para cervejas de baixo teor alcoólico, essa redução pode não ocorrer na mesma medida, uma vez que o tempo de fermentação é tão curto. Várias estratégias têm sido sugeridas para reduzir os aldeídos em cervejas com baixo teor alcoólico, incluindo tratamento com PVPP, gel de sílica, tempo de fervura prolongado e remoção de CO2 ou nitrogênio do mosto. Recentemente, pesquisas tem se concentrado na seleção de cepas de levedura por sua capacidade de reduzir rapidamente os aldeídos do malte. O efeito parece depender tanto da cepa quanto do composto. Cepas de leveduras selvagens não Saccharomyces não estão adaptadas para fermentar mosto de cerveja e algumas podem não reduzir eficientemente os aldeídos de malte, resultando em sabores de malte indesejáveis.

Diacetil: durante a fermentação clássica de cerveja, a levedura produz α-acetolactato, que é então excretado para fora da célula. O α-acetolactato é então descarboxilado em diacetil e reabsorvido de volta pela levedura no final da fermentação, onde é metabolizado em acetoina, um composto sem sabor. A produção de α-acetolactato é aumentada quando a biossíntese da valina está mais ativa, o que ocorre quando os níveis de aminoácidos estão baixos, como é o caso dos mostos de gravidade muito baixa. Adições de nutrientes aos mostos de baixa gravidade podem reduzir os níveis de α-acetolactato e a formação de diacetil. Se o metabolismo da levedura for interrompido precocemente antes da atenuação completa, a levedura pode não ser capaz de reabsorver completamente o diacetil da cerveja e o α-acetolactato residual pode permanecer na cerveja, o que pode ser descarboxilado para formar diacetil no produto final. Portanto, há um maior risco de formação de diacetil ao utilizar uma abordagem de fermentação arrastada. Por isso, mosturação em alta temperatura e uso de leveduras específicas são recomendadas para manter os níveis de diacetil no mínimo.

H2S: similar ao diacetil, H2S é produzido durante a fermentação e reabsorvido pelo fermento no final da fermentação. Se o metabolismo da levedura é interrompido antes da atenuação total, a levedura pode não absorver completamente o H2S da cerveja. E quando usado o método de fermentação arrastada, o risco de formação de h2S é muito maior do que a técnica de manipulação de levedura e fermentação.

Fenólico:A maioria das cepas de levedurasque promovem baixa fermentação são espécies selvagens não Saccharomyces ou variantes selvagens de Saccharomyces que produzem 4VG (composto aromático que lembra cravo) e outros aromas fenólicos. Embora isso possa ser desejado em certos estilos, limita o uso em estilos de cerveja mais neutros. LalBrew® LoNa™ é a primeira cepa de Saccharomyces cerevisiae negativa para maltose e negativa para POF, sendo adequada para estilos de cerveja não fenólicos.

Ésteres: a formação de ésteres é muito menor em fermentações limitadas. Acil-CoA e álcool superiores são precursores da formação de ésteres. Um mosto de gravidade mais baixa e um tempo de fermentação muito curto em fermentações limitadas resultam em menor crescimento da levedura e, portanto, menos álcool superior. Nas fases iniciais da fermentação, o acil-CoA está sendo utilizado para o crescimento da levedura em vez da formação de ésteres. Os ésteres, portanto, não contribuem significativamente para o perfil sensorial das fermentações limitadas de cerveja de baixo teor alcoólico.

Acidez e pH: assim como na produção de cerveja tradicional, o controle do pH na mostura é crítico para que se obtenha um bom resultado. Ou seja, pH é crítico para as enzimas durante a mostura e tem grande influência na utilização de lúpulos, extração de adstringência do malte e estabilidade microbiológica. O pH deve ser conferido em todas as etapas da produção da cerveja, inclusive na água de lavagem dos grãos.

O pH do mosto deve ser ajustado para 4.6 ou menor para evitar que haja crescimento de bactérias e isso pode ser feito de diversas formas, como adicionando malte acidificado no grist, fazendo kettle sour ou adicionando ácidos de grau alimentício (ácido latico, ácido fosfórico). No final da fermentação o pH deve estar menor ue 4.4 e a recomendação ideal para ter ótimos sabores e estabilidade microbiológica é entre 3.7 a 4.1.

Os ácidos também podem ser utilizados para modificar e melhorar os sabores da cerveja pronta. Diferentes ácidos podem ser utilizados de acordo com o perfil sensorial desejado e estilo de cerveja. Os mais comuns são: ácido lático ácido cítrico, ácido fosfórico, Tártico e málico.

Considerações finais sobre sabores: ss açúcares e o álcool contribuem fortemente para o corpo geral e a sensação na boca dos estilos tradicionais de cerveja. Um problema com os estilos de cerveja de baixo teor alcoólico é que eles tendem a ter um corpo e uma sensação na boca mais baixos, contribuindo assim para uma percepção de cerveja aguada. Existem várias modificações na receita de cerveja que podem ajudar a compensar esses problemas de sabor. Por exemplo, a mosturação em alta temperatura e uma receita que contenha mais grãos não maltados e maltes especiais ajudarão a aumentar o corpo. Diferentes tipos de adições de ácido também podem influenciar a sensação na boca. Para os estilos de cerveja de baixo teor alcoólico, também é recomendado reduzir as adições de lúpulo de amargor em relação aos estilos tradicionais comparáveis, para evitar amargor intenso e harsh.

Cervejas de baixo teor alcoólico, segurança alimentar e pasteurização

A cerveja é normalmente considerada um produto seguro para consumo, no qual os patógenos são inibidos devido a vários fatores, incluindo: teor alcoólico, ambiente anaeróbico, baixo pH e adição de lúpulo. Esses fatores são reduzidos em cervejas de baixo teor alcoólico, o que as torna mais suscetíveis à deterioração microbiológica e, em algumas circunstâncias, com potencial para o crescimento de patógenos prejudiciais. Essas preocupações precisam ser abordadas de forma segura para o consumo alimentar. O teor de álcool entre 3,5% – 5% em volume e um pH baixo (entre 3,7 – 4,1) são dois fatores importantes na limitação do crescimento de microrganismos na cerveja. No entanto, alguns patógenos transmitidos por alimentos, como E. coli O157:H7 e Salmonella Typhimurium, são conhecidos por sobreviver em cervejas com teor alcoólico baixo a moderado (2,7% – 5,0% ABV). Em cervejas de muito baixo teor alcoólico (< 0,5% ABV), esses patógenos podem ser mais prevalentes e podem crescer à medida que o pH aumenta de 4,0 para 4,3 ou mais. Por isso, é muito importante considerar os seguintes fatores na hora de produzir cervejas de baixo teor alcoólico e não alcoólicas.

  1. Controle de pH durante o processo de produção de cerveja sem álcool e baixo teor alcoólico: Em geral, um pH baixo (em torno de 4.0) limita o crescimento de microorganismos na cerveja de algumas maneiras importantes. Dentro da célula, um baixo pH permite que mais ácidos orgânicos entrem, aumentando assim a acidez intracelular, o que reduz a absorção de nutrientes e causa eventual inanição celular e morte. Um baixo pH também potencializa as propriedades antimicrobianas do lúpulo. Como as cervejas de baixo teor alcoólico possuem alta concentração de açúcares fermentescíveis e não não possuem níveis elevados de álcool, o uso de lúpulo e controle de pH é importante para estabilizar adequadamente essas cervejas. A redução do pH da cerveja para 4.0 oferece uma camada de proteção, no entanto, os microorganismos ainda podem encontrar um ambiente propício nessas cervejas se não forem devidamente estabilizadas.
  2. Métodos de estabilização da cerveja: a pasteurização é considerado o métodos mais robusto para preservação da cerveja. Existe também os tratamentos químicos com os conservantes sorbato de potássio, benzoato de sódio, sorbato de sódio.
  3. Controle de qualidade para estabilidade microbiológica: se você pretende comercializar sua cerveja, é mioto importante que seja conduzidos testes em laboratório para atestar que sua cerveja está livre de bactéiras indesejadas.

Espero que esse material esclareça um pouco sobre as melhores práticas para se ter um produto de qualidade e que o público goste de beber.

Conteúdo traduzido de Non-alcohol beer & low alcohol beer best practices, lallemand yeast. (https://www.lallemandbrewing.com/wp-content/uploads/2023/06/NABLAB-BP-ENG-Digital-LalBrew.pdf)

 

Fernanda Puccinelli Autor

Gerente de marketing da Lamas Brew Shop. Descobriu o universo da cerveja caseira sendo cobaia das primeiras cervejas dos Lamas. Se apaixonou de vez pelas artesanais depois de se mudar para os EUA. De volta ao Brasil entrou no grupo da Manada Lamas, sendo responsável não apenas pelas ações de Marketing como também pelas curadoria do Lamas Brew Club.

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