Friozinho chegando e começa aquela vontade de beber uma cerveja alcoólica daquelas que esquenta a alma, não?
Pois é, aproveitando esse período de quarentena, decidi colocar minha leitura cervejeira em dia e o livro da vez é o maravilhoso livro do Garrett Oliver, A Mesa do Mestre Cervejeiro.
Para quem não conhece o Garrett, ele é o mestre cervejeiro da Brooklyn brewery de Nova York. Além de um mestre cervejeiro de primeira, ele é um excelente sommelier de cervejas e é isso que trata esse livro, harmonização dos diversos estilos de cerveja com comida de verdade. Isso mesmo, aquela que você mesmo prepara na sua casa com ingredientes frescos.
Voltando agora para o nosso friozinho que está começando a chegar em Campinas e em muitas regiões do Brasil, começou a me dar vontade de beber cervejas mais fortes, encorpadas e com uma pegada mais alcoólica. Aí pensei já que estou de quarentena desde março em casa, o que vou fazer para aliviar esses tempos difíceis que estamos passando? Vou comer bem e beber bem! Não digo beber muito, mas beber menos e melhor e realmente curtir a comida com a cerveja.
Cervejas alcoólicas para o inverno
Pensando em algumas cervejas mais alcoólicas que gosto, separei os seguintes estilos:
Belgian Golden Strong Ale: uma cerveja complexa de cor bem clara e dourada e bastante carbonatada. Ela é bem atenuada com notas frutadas e notas lupuladas. ABV: 7,7-10,5% ; IBU:22-35
Russian Imperial Stout: Uma ale escura com muito sabor e aromas e que pode veriar de acordo com as ideias do cervejeiro. Os sabores podem variar de malte torrado a frutas escuras, frutas secas. Possui um final quente devido ao teor alcoólico e uma complexidade muito intensa e harmoniosa. ABV: 8-12% ; IBU: 50-90
Imperial IPA: Uma pale ale com intenso aroma e sabor de lúpulo sem sabores maltados intensos como encontrados na barleywine. Esse estilo é um tributo às históricas IPAs, é extremamente lupulada, sem adstringência e harsh e muito limpa.. A drinkability nesse estilo é muito importante, não tendo muito açúcar residual ou carater intenso de malte. ABV: 7,5-10%; IBU: 60-120
Degustação e Harmonização com Cervejas
Garanto que você já bebeu bastante cerveja na vida né? Mas já parou para pensar no que aqueles sabores da cerveja te lembraram? Já parou para realmente degustar uma cerveja? Associação à memórias afetivas e ter uma biblioteca de sabores são pontos chave da degustação de cerveja, além dos sentidos, claro.. E se você nunca ouvi falar nada sobre degustação, leia esse post aqui antes de continuar lendo abaixo.
Agora o que acontece quando você resolve harmonizar cerveja com comida? Quais são os princípios básicos para uma harmonização com cerveja?
Segundo Garrett em seu livro, o aroma é um dos pontos principais da harmonização de cervejas com comida e cerveja é cheio de aromas que te darão dicas do que você irá encontrar no sabor no primeiro gole. E como muitos sabem o sabor dos alimentos e bebidas está muito ligado com o aroma. Você já deve ter percebido que quando você está gripado com o nariz entupido, todas as comidas ficam sem gosto, correto?
Então o primeiro ponto que você pode seguir quando harmonizar a comida com a cerveja é o princípio de harmonizar por similaridade. Preste atenção nos aromas da cerveja e da comida e perceba se eles tem algo em comum.
O segundo ponto é conhecer os estilos de cerveja e suas características comuns. Sabendo as características da cerveja você saberá combinar ela com a comida. Um exemplo? Uma tripel com suas notas herbais complementará pratos com ervas como por exemplo um frango assado temperado com tomilho e alecrim, além disso, o amargor da tripel corta a sensação da gordura e sabores intensos deixando todos os sabores equilibrados na boca.
Cada cerveja é diferente, mas conhecendo as características de cada estilo, lhe dará a informação necessária que você precisa para harmonizar por semelhança a comida com a cerveja.
O terceiro ponto é o impacto que a comida tem no paladar. Os sabores são delicados ou são fortes? A comida é ácida ou gordurosa? Doce ou salgada? É importante pensar nisso na hora de escolher a cerveja pois quando estamos harmonizando comida e cerveja, a coisa mais importante é o equilíbrio entre um e outro. E se você for servir uma cerveja diferente para cada prato, nunca se esqueça, comece sempre com as cervejas mais suaves e menos alcoólicas.
Quarto ponto, carbonatação! Carbonatação na cerveja resulta do processo de fermentação. No produto final, a carbonatação dá à cerveja um toque refrescante, concentra o amargor e a acidez e limpa o paladar. Isso mesmo! Ela ajuda a limpar o paladar para a próxima garfada. A carbonatação permite que a cerveja possa ser harmonizada com ovos, queijos e até mesmo chocolate.
Quinto ponto, amargor. Sim o amargor da cerveja ajuda a balancear notas e características da comida. Por exemplo um prato apimentado, o amargor de uma IPA quebra a picância da pimenta.
O sexto ponto seria o dulçor, caramelização. Essas características são encontradas na cerveja como na comida e isso torna a cerveja que possui maltes caramelizados um excelente par. Um exemplo, uma carne assada com uma cerveja pale ale ou um churrasco ou uma feijoada com uma rauchbier. O dulçor também funciona como um ponto de equilíbrio com o amargor de alguns estilos de cerveja.
Por último temos o tostado/torrado, cervejas feitas com malte torrado desenvolvem aromas e sabores de café e chocolate amargo e isso harmoniza perfeitamente bem com grelhados e alguns estilos de cervejas até com sobremesas por contraste, como por exemplo uma stout com sorvete de creme ou um creme bruleé.
Agora que você já sabe quais são os pontos a se pensar quando harmonizamos cerveja e comida, vamos para os estilos que eu selecionei nessa quarentena.
Harmonização de cervejas alcoólicas
Belgian Golden Strong Ale: Esse estilo é o famoso bonitinha mas perigosa. Apesar de toda sua potência alcoólica essa cerveja é delicada e muito limpa nos sabores no paladar e é aí onde mora o perigo, pois você não sente a potência alcoólica dela. O maior exemplo desse estilo é a famosa cerveja Duvel. Quem nunca tomou um foguete de Duvel não sabe o quanto ela é periogosa. Só vou falar que durante minha temporada nos EUA, eu invadi o churrasco de uns vizinhos africanos onde a música estava muito melhor do que o churrasco onde eu estava e fui dançar com eles. Culpa de quem? Da Duvel!!!
Este estilo é feito com maltes extra claros, por consequência tendo um sabor muito suave, o que deixa o amargor, a carbonatação e os aromas frutados dominarem a cerveja. É um estilo com bastante carbonatação. E o que vimos acima? A efervescência limpa o paladar e o que mais? Essa cerveja tem notas herbais? Então fui pra o meu quintal e vi meu pé de manjericão todo bonito. Já me veio na hora uma pasta ao molho pesto.
Fiz o molho pesto com manjericão, alho, pignole, queijo parmesão e muito azeite. Para acompanhar fiz um filé de frango grelhado que marinou no mesmo molho pesto e harmonizei com uma Duvel que eu tinha em casa. Essas promoções da quarentena estão ótimas para achar excelentes descontos em cerveja. O amargor limpo da cerveja combina direitinho com o alho e deixa o sabor do azeite se sobressair e brilhar, então a efervescência limpa o paladar para a próxima garfada. As notas herbais do manjericão também combinaram delicadamente com as notas da cerveja. Vale o teste! é uma explosão de sabores.
Se quiser fazer sua própria Belgian Golden Strong Ale temos alguns kits prontos de receita. Checa só, Belgian Golden do Lamas Brew Club e a a nossa edição limitada de festa junina , a Pula Fogueira.
Imperial IPA
Uma cerveja intensa e deliciosa de tomar. Quem já teve oportunidade de beber a 90-minute ou a 120-minute da cervejaria Dogfish Head dos EUA sabe do que eu estou falando, elas são extremamente lupuladas mas ao mesmo tempo tem presente um dulçor residual equilibrando a grande carga de lúpulo e o alto teor alcoólico. Como não é muito fácil encontrar essas cervejas no Brasil, fiz um clone e botei ela pra jogo.
Fiz uma pancetta defumada que combinei com um risoto de queijo meia-cura e voilá. O defumado e o caramelado da pancetta harmonizou com as notas carameladas do açúcar residual que tem nessa cerveja. O amargor do lúpulo e a potência alcoólica limpava a gordura do paladar a cada gole convidando para a próxima garfada. Simplesmente maravilhoso!!
Russian Imperial Stout
Por fim para terminar minha brincadeira de harmonização na quarentena, resolvi harmonizar por contraste um sorvete de baunilha que eu fiz com a RIS do lamas brew club com coco e cumaru que eu tinha guardada na despensa!
Para quem não teve a oportunidade de provar essa RIS, ela é uma ale escura de sabor intenso e forte. Torrada, frutada, doce-amargo, com uma presença de álcool perceptível. Sabores de frutas secas se misturam com o torrado, queimado. Como uma Barleywine preta, onde cada dimensão de sabor participa do todo.
E vou te dizer que com o sorvete ficou maravilhoso.
E aí nos conte quais harmonizações vocês costumam fazer e o que tem feito nessa quarentena.